Indústria de energia eólica offshore: potencial estratégico para o país – Parte 1

A indústria de energia eólica offshore desempenha papel estratégico na transição energética, movimento global que visa substituir fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis por alternativas renováveis e menos poluentes. 

Sem dúvida, as eólicas offshore constituem um segmento industrial com grande potencial a ser explorado, contribuindo para consolidar o Brasil como ator estratégico no cenário global de energias renováveis em uma economia de baixo carbono. 

Para entender a importância da indústria de energia eólica offshore tanto para a descarbonização quanto para o crescimento do setor no país, é fundamental ter visão macro dos principais desafios e barreiras, que carecem de solução eficiente para explorar o potencial do setor.

Visando oferecer esse panorama macro das potencialidades do setor no país, na primeira parte deste artigo é apresentado o potencial a ser explorado da indústria de energia eólica offshore no país, bem como as barreiras e recomendações para os aspectos regulatórios, que geram inúmeros problemas e inviabilizam um crescimento mais acelerado. 

Já na segunda parte, o artigo apresenta as barreiras e recomendações para os aspectos mercadológicos, de infraestrutura e tecnologia, que também funcionam como limitadores para efetiva exploração do setor.  Além disso, mostra as últimas tendências para a indústria de energia eólica offshore que estão sendo adotadas no mundo inteiro. 

Indústria de energia eólica offshore no país: potencial a ser explorado 

Conforme o relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de 2023, intitulado “Oportunidades e desafios para geração eólica offshore no Brasil e a produção de hidrogênio de baixo carbono”, o país, com sua extensa costa e ventos favoráveis, tem enorme potencial para se tornar potência na geração de energia eólica offshore, podendo aproveitar dos inúmeros benefícios decorrentes desse processo, como:

  • Energia limpa e renovável, contribuindo para a descarbonização da matriz energética e a mitigação das mudanças climáticas;
  • Geração de novos investimentos, empregos e renda com a consolidação da cadeia de valor da energia eólica offshore;
  • Inovação estimulada em diversas áreas, como engenharia, materiais e construção naval com base no desenvolvimento tecnológico e científico; 
  • Segurança energética do abastecimento e diminuição da dependência de combustíveis fósseis a partir da diversificação da matriz energética.

Por isso, a energia eólica offshore é parte integrante da estratégia da Indústria para uma Economia de Baixo Carbono, que é resultante do esforço mundial para reduzir e, eventualmente, eliminar completamente as emissões de dióxido de carbono (CO2), um dos gases mais liberados na queima de carvão e petróleo.  

A acumulação de CO2 gera danos graves para a atmosfera, como os buracos na camada de ozônio, tornando o planeta vulnerável à incidência dos raios solares e ao aquecimento progressivo da temperatura global.

Por isso, a descarbonização implica numa mudança fundamental na maneira como a energia é produzida e utilizada, visando movimento em direção a fontes renováveis, a fim de minimizar o impacto ambiental, particularmente nas indústrias e nos negócios.

Para implementar esse processo, tornam-se necessárias diversas ações integradas, começando com a melhoria da eficiência nos processos produtivos, bem como a exploração do grande potencial da indústria de energia eólica offshore no país. Nesse sentido, este setor já está sendo impulsionado como uma das estratégias prioritárias do Plano de Retomada da Indústria Nacional, tendo em vista que o mercado global de energia eólica offshore está em rápido crescimento, estimando-se que até 2030, 260 GW de nova capacidade sejam adicionados, elevando o total global para 316 GW, com investimentos previstos de US$ 1 trilhão.

Crescimento anual médio esperado para setor eólico offshore na década (MW) 

Fonte: Relatório CNI, 2023, p. 24.

Apesar da indústria de energia eólica offshore oferecer grande potencial de crescimento, o país ainda não explorou significativamente esse potencial, que está em torno de 700 GW, visto que existem  170 GW em pedidos de licenciamento ambiental no Ibama para serem aprovados.

Potencial teórico de geração de energia elétrica com fonte eólica offshore no Brasil

Fonte: Relatório CNI, 2023, p. 33.

Indústria de energia eólica offshore no país: desafios, barreiras e recomendações 

Conforme o relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de 2023, o país enfrenta inúmeros desafios e barreiras para consolidar o potencial de  desenvolvimento da indústria de  energia eólica offshore no país, tanto em termos de aspectos regulatórios e mercadológicos quanto de  infraestrutura e de tecnologia. 

Tendo isso em vista, o relatório da CNI (2023) apresenta um mapeamento do setor para cada um dos aspectos mencionados, bem como algumas recomendações para direcionar e impulsionar o desenvolvimento da indústria de energia eólica offshore no país de forma rápida e assertiva. 

Aspectos regulatórios: barreiras e recomendações  

Os projetos de energia eólica offshore contam com estrutura regulatória específica, que tem potencial para incentivar os investimentos em projetos piloto nos próximos anos. Assim, é importante conhecer esses marcos regulatórios, tendo uma visão mais ampla com base na linha do tempo apresentada a seguir: 

Linha do tempo dos instrumentos regulatórios relacionados à eólica offshore 

Fonte: Relatório CNI, 2023, p. 73.

Começando pelo Decreto n. 10.946, de janeiro de 2022, é preciso destacar que este estabelece o regulamento sobre a “cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimentos offshore”. 

Além de instituir duas modalidades: a gratuita, voltada à atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e a onerosa, quando orientada à exploração de central geradora. Como também pode ser planejada ou independente, conforme os prismas ou polígonos disponibilizados.

Em adição ao Decreto n. 10.946/2022, duas portarias foram publicadas no Diário Oficial da União em outubro de 2022, que é importante esclarecer o seu conteúdo normativo.  

A Portaria Normativa GM/MME n. 52/2022 estabelece as normas e procedimentos para a “cessão de uso onerosa para exploração de central geradora de energia elétrica offshore no regime de produção independente de energia ou de autoprodução de energia”.

Já a Portaria Interministerial MME/MMA nº 3/2022 cria o Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para Geração de Energia (denominado PUG-offshore). 

O PUG-offshore visa centralizar as solicitações de cessão de uso, com o objetivo de prevenir sobreposições de projetos e diminuir a disparidade de informações entre os setores privado e público, promovendo maior transparência.

Assim, o intuito com a criação do decreto e das portarias é prevenir a formação de um mercado especulativo de cessões de uso, contribuindo para a estabilidade jurídica. Embora essas medidas sejam importantes, elas não possuem status de lei. 

Nesse ponto, é importante salientar que a criação de um mercado e a definição de um quadro regulatório específico para a energia eólica offshore são desafios significativos. 

Mas, incluir a possibilidade de usar essa energia para a produção de hidrogênio, conforme estabelece a portaria 52/2002, é fazer a complexidade aumentar consideravelmente. 

Visto que a implementação de um modelo de negócios dessa natureza exige regulação mais abrangente, que envolve a coordenação entre várias agências reguladoras, como:

  • Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL);
  • Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP);
  • Agência Nacional de Águas (ANA);
  • Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).

Portanto, torna-se essencial  o estabelecimento de uma estrutura de governança institucional e jurídica adequada para viabilizar o desenvolvimento de tais propostas.

Por último, o Projeto de Lei (PL) n. 576/2021, que está em processo de aprovação pelo Congresso, poderá influenciar a regulamentação existente, visto que existe a dúvida se pode vir a contrariar o disposto no Decreto e nas Portarias. 

Contudo, considerando que os grupos de interesse envolvidos na elaboração desses regulamentos são os mesmos, existe a expectativa de que os marcos regulatórios existentes e os que estão sendo analisados sejam compatíveis entre si.

É importante esclarecer também sobre o licenciamento ambiental para projetos de energia eólica offshore, que pode aproveitar das experiências do setor de petróleo e gás, especialmente no que se refere à elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA). 

Embora existam similaridades nos impactos ambientais entre os dois setores, como em estrutura e logística, cada um apresenta particularidades – como a preocupação com vazamentos no setor de óleo e gás, em contraste com a ênfase na proteção dos padrões migratórios de aves e vida marinha na energia eólica offshore.

Além disso, a EPE (2021) salienta a necessidade levar em conta os impactos sobre os diversos usos do espaço marítimo, o que inclui:

  • Pesca artesanal e industrial;
  • Extração de areia e cascalho;
  • Navegação, Turismo e lazer; 
  • Operações militares;
  • Atividades da guarda costeira;
  • Exploração de petróleo e gás.

Projetos de eólica offshore com processos de licenciamento em aberto no Ibama 

Fonte: Relatório CNI, 2023, p. 76.

Legenda: Figura (a), no Nordeste do Brasil, os projetos se encontram nos estados do Ceará (região 01) e do Rio Grande do Norte (região 02). Já no Sudeste, há projetos nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (região 03). No sul do país, esses projetos estão concentrados principalmente no Rio Grande do Sul (região 04).

Figura (b), na região 03 são observadas várias sobreposições de áreas.

A sobreposição de áreas é um problema visto que os projetos possuem finalidades distintas. Exemplo dessa situação ocorreu na Inglaterra, através de um conflito entre a BP, que propôs um projeto de captura e armazenamento de carbono (CCS), e a Orsted, focada em desenvolver um parque eólico offshore

A preocupação central desse impasse era o potencial perigo de embarcações empregadas na monitoração de vazamentos de carbono se chocarem com as turbinas eólicas ancoradas no fundo do mar. 

Depois de prolongadas negociações, em julho de 2023, ambas as companhias conseguiram chegar a um acordo que permitiu o avanço dos projetos de energia eólica offshore e CCS.

O relatório da CNI (2023) apresenta uma visão mais detalhada das barreiras regulatórias, sintetizadas em um quadro e relacionadas com possíveis soluções para superar as dificuldades. Veja a seguir:  

BARREIRAS REGULATÓRIAS (BR) Código
Código Grande número de stakeholders envolvidos nesse mercadoBR.1
Não clareza na governança das políticas públicas e dos mecanismos de incentivoBR.2
Processos de normalização e regulamentação do setor de eólica offshoreBR.3
Conflitos de uso do território marítimo com outras atividades econômicas BR.4
Insegurança regulatória para eólica offshore por existirem apenas mecanismos normativos infralegais BR.5
Necessidade de tratar o problema de sobreposição de áreas já existentes nos pedidos de licenciamento do IbamaBR.6
Falta de regulação específica sobre a base para cálculo dos valores a serem pagos no caso da cessão onerosaBR.7
Demora na abertura do mercado varejista de energia elétricaBR.8
Altos custos da energia gerada pela eólica offshoreBR.9
Falta de uma regulação que remunere os serviços ancilares de forma adequada BR.10

Fonte: Relatório CNI, 2023, p. 114.

A partir do mapeamento das barreiras identificadas para o setor em termos regulatórios, o relatório da CNI (2023) disponibiliza algumas recomendações para lidar com essas barreiras e impulsionar o desenvolvimento administrativo do setor. Veja a seguir:

Recomendações para as Barreiras Regulatórias (RBR) Barreira
RBR.1 – A fim de definir responsabilidades dos stakeholders, mapear todos os pontos de conflitos e alianças entre eles BR.1 BR.2 
RBR.2 – Trazer todos os stakeholders para a discussão das políticas públicas (MME, MDR, MCTI, MMA, MF, Marinha, entre outras) e definir suas responsabilidades em todo o processo. Sugere-se que o MME seja órgão articulador BR.1 BR.2 BR.3
RBR.3 – Reduzir as incertezas sobre os potenciais conflitos socioeconômicos que poderão surgir entre a atividade eólica offshore e outras atividades, por meio da Implementação de um Planejamento Espacial Marítimo (PEM) BR.3 BR.4 
RBR.4 – Alinhar o texto do Projeto de Lei em discussão no Congresso com o Decreto nº 10.946/2022 BR.5
RBR.5 – Definir critérios claros para o tratamento do problema de sobreposição de áreas BR.6
RBR.6 – Dar celeridade ao processo de publicação da regulamentação que tratará sobre os valores a serem pagos no caso de empreendimentos de eólica offshore que tenham cessão onerosa BR.7
RBR.7 – Dar celeridade ao processo de abertura do mercado varejista, definindo prazos e consumidores habilitados a participarem BR.8
RBR.8 – Realizar leilão de reserva de capacidade na forma de potência para atendimento de ponta com tecnologias de armazenamento BR.8 BR.9
RBR.9 – Revisar a regulação de serviços ancilares BR.9

Fonte: Relatório CNI, 2023, p. 115.

Conclusão 

A indústria de energia eólica offshore tem grande potencial a ser explorado no país, mas efetivamente necessita superar as barreiras e desafios que tem pela frente, principalmente dos aspectos regulatórios.

Já que essas barreiras resultam na diminuição dos investimentos, tornam o crescimento do setor mais lento, além de impossibilitar o aproveitamento pleno do potencial energético dessa fonte renovável.

Por isso, as recomendações do relatório CNI (2023) são de grande importância para direcionar o desenvolvimento e crescimento do setor, permitindo que o país realize com mais eficiência a transição energética.

Para entender as barreiras relacionadas aos aspectos mercadológicos, infraestrutura e tecnologia, que limitam o avanço acelerado da indústria de energia eólica offshore no país, leia a Parte 2 deste artigo, que sairá dia 7 de junho em nosso blog https://www.propermarine.com/noticias/ e no perfil do Linkedin da Proper Marine.

Referências 

https://www.ibp.org.br/observatorio-do-setor

https://www.ibp.org.br/personalizado/uploads/2024/01/caminhos-para-a-descarbonizacao-ibp-cop-28.pdf

https://www.portosenavios.com.br/artigos/artigos-de-opiniao/artigo-sustentabilidade-em-alto-mar-protagonismo-brasileiro-na-producao-de-energia-eolica-offshore

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https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/2a/61/2a61a6a8-abf5-4eea-8328-865725c995a4/id_243190_oportunidades_e_desafios_para_geracao_eolica_web.pdf

https://empresas.edp.com.br/blog/o-que-e-descarbonizacao

https://www.ibp.org.br/personalizado/uploads/2023/04/panorama-geral-do-setor-og-22-03-2023-web.pdf

https://www.iberdrola.com/sustentabilidade/como-funcionam-os-parques-eolicos-offshore

https://portalnaval.com.br/noticia/posicionamento-ibp-pl-eolicas-offshore-1

https://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2023/01/Sumario-Executivo.pdf